Quando eu era criança, adorava as macarronadas de domingo na casa da minha avó. Eu era bem pequena, mas lembro do gosto do melhor macarrão do mundo. A minha avó e a minha bisavó ficavam a manhã inteira fazendo o molho e a massa, e o resultado era surrealmente bom. Eu simplesmente não conseguia comer sem ficar toda babada de molho sugo. Já cheguei a ficar suja até a testa. Acho que não devia ser uma cena bonita… se bem que eu era criança, e o lado bom da infância é que tudo que você faz é bonitinho.
A minha avó, infelizmente, morreu muito cedo – eu estava prestes a fazer 6 anos. A minha bisavó se foi alguns anos depois e eu nunca tive a chance de aprender com o lado italiano da minha família a fazer o molho sugo tradicional, que dá um mega trabalho, mas faz você chorar de emoção. Aí passei a comer macarrão com pomarola e, tamanha minha decepção com o molho que não era o da minha avó, parei de comer macarrão com molho vermelho. Por muitos anos foi assim.
Quando virei adulta, comecei a comer alguns molhos ao sugo, mas nada era muito do jeito que eu gostava. Até o dia que eu fui jantar na casa da minha ex-chefe/atual grande amiga Andrea. Ela é filha de pai e mãe italianos, e a nonna dela está firme nos seus 96 anos fazendo o que a mulher italiana faz com maestria: alimentando sua família muito, muito bem. A idéia do jantar era comermos a comida italiana da família dela e eu estava bem animada. Ao comer a primeira garfada do spaghetti al sugo, tive uma epifania: era ele de volta, o molho de tomate que a minha avó fazia! Nesse jantar, lembrei como de fato eu AMO molho ao sugo; pra mim, um molho de tomate bem feito desbanca qualquer molho branco mais gorduroso.
Desde então estou enchendo a Andrea porque quero aprender com a mãe dela a fazer o molho. Depois de mil e uma tentativas e problemas de agenda, marcamos o final de semana passado para um dia de molho sugo. E um dia não é exagero: o molho sugo de verdade leva umas 4 horas pra ser feito. É simples, mas demora.
Quem nos ensinou foi a queridíssima dona Marisetta, mãe da Andrea, que estava tão feliz que eu queria aprender o molho que ela dava 1001 dicas. Como uma boa cozinheira, ela não tem receitas anotadas e faz as coisas de olho, o que pode ser desesperador para uma iniciante como eu. Mas, é fazendo que se aprende, então eu e a Andrea que colocamos a mão na massa. A dona Marisetta fazia o coaching culinário enquanto ensinava algumas manhas. Por isso, vou mostrar aqui o processo do jeito que eu aprendi: a receita está espalhada pelo modo de fazer.
Molho al sugo, como faz a mamma e a nonna (by Marisetta)
A primeira coisa que você precisa para fazer o molho sugo é de tomate, muito tomate. Como o molho demora, mesmo se você mora sozinha é uma boa fazer uma grande quantidade de molho e congelar. Assim você tem uma alternativa infinitamente melhor a fazer um miojo de 3 minutos (não sou nada fã de miojo). Para essa receita, usamos 4 kg de tomate débora, bem maduro. Segundo a Marisetta, o tomate débora é o melhor para molhos. Você pode usar também o italiano, ou tomates pequenos. A idéia é sempre comprar tomates que são mais compridos do que largos. Tomate caqui ou tipos q sao mais larguinhos não dão um bom molho. E sempre bem maduro.

Essa é a parte do pedúnculo
Cortamos o tomate para tirar a parte do talo de cima, e a parte verdinha que tem – o pedúnculo. Sabe, bem no meio do tomate? Essa mesmo.

4kg de tomates picados, rumo a fervura!
Depois, você corta o tomate em pedaços, e leva numa panela para ferver. O tomate vai ficar na panela por volta de 30, 40 minutos.
Quando o tomate ferver, ele vai ter soltado bastante água. Essa primeira água do tomate é a mais ácida, então você tem que jogar uma boa parte dela fora – algo entre metade e 2 terços. O resto você deixa.
Agora é a parte mais divertida: hora de “filtrar” a pele e a semente do tomate e pegar só o molho.
Aí é que está o pulo do gato. Muita gente, nessa hora, bate o molho no liquidificador, mas isso não é legal. Ao se bater no liquidificador, ele rompe a semente do tomate, que é ácida. Isso impacta o sabor do molho.

Em cima na foto, o passa verdura no seu momento de uso
O que fizemos foi passar o molho no passa verdura: é como um grande coador de metal, que vai amassar o tomate, filtrando a pele e a semente. Não consegui achar um passa verdura pra comprar on-line, mas você acha em lojas de assessórios de cozinha. Nessa hora, a idéia é colocar o filtro com buraquinhos menores, senão a semente passa. E se passar um pouquinho de semente, tudo bem, todos sobreviveremos.
Uma vez que o molho todo foi passado, é a hora de preparar o tempero. Pra nossa quantidade de tomates, usamos: 1 cebola pequena e 8 dentes de alho. Pique bem picadinho e frite em uma xícara que é metade óleo (soja, girassol whatever) e metade azeite de oliva. Se quiser pode usar azeite pra tudo, oléo pra tudo, mas essa é a medida.
Essa é uma boa hora também de você colocar um pouco de sal e pimenta do reino: fritar o tempero junto realça o gosto depois. Agora nessa hora de tempero, começam as dicas de Marisetta: nesse momento, se você quiser, pode fritar uma carne junto para dar gosto. Ou colocar outros temperinhos.
Nesse momento, você coloca o molho dos tomates na panela (se você tiver a manha, vire o molho. Mas, para não respingar, o mais seguro é colocar o molho com uma concha primeiro).
Agora você pode brincar com temperos: pode por salsinha e cebolinha, pode por alho poró. Pode por sálvia. O que ela recomenda é uma folha de louro, realça muito o sabor. Aqui nesse, colocamos louro e um talo de salsão. O salsão substitui a salsinha, hehe. Eu acho mais saboroso. E pode colocar mais sal, o tomate pede bastante sal. Se quiser fazer render mais, coloque polpa de tomate.
E agora é a hora de deixar o tomate ferver, ferver, ferver. Liga em fogo alto até atingir o ponto de fervura, depois deixe no fogo baixo e vá ver um filme. O molho vai ficar apurando por cerca de 3 horas.

Burn, baby, burn!
Quando já estiver fervendo por volta de meia hora, dê um pause no filme, vá na panela e coloce uma colher de chá rasa de açúcar e uma colher de sopa de leite. Isso reduz a acidez do molho.
Quando o molho estiver quase pronto, coloque algumas folhas de manjericão: não é bom colocar antes, pois o manjericão murcha muito.
Quando o molho estiver com uma consistência legal, não muito líquido, o molho está pronto. Dá pra congelar 3 potes e comer um macarrãozinho para 3 pessoas. Ou fazer macarronada pra família inteira 😀
(não tenho foto do molho pronto, sorry)
Observação do meu avô
Quando contei pro meu avô que tinha aprendido a fazer o molho, ele perguntou se eu fervia a carne.
Hein?!?
A minha bisavó fervia um pedaço de músculo por umas 3 horas (caldo de carne homemade) e colocava no molho. Segundo ela dizia, esse é o segredo.
Agora fiquei curiosa e vou testar, da próxima vez que fizer o molho.
Queria agradecer a Andrea, a Marisetta e a Nonna Zaira, que foram muito queridas comigo em passar o dia me ensinando a cozinhar 😀
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